segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Reenceto



Abro os meus olhos e o enxergo pela última vez. Descruzo os braços que prendiam o meu corpo e os deixo esticados sobre a cama. O lençol fino e desajeitado cobre pequenas circunferências suas, esbanjando aquela pele que ainda tem a minha cor preferida. Esqueço disso. Tento lembra do que me fez desviar do seu abraço noturno, a esgueirar-me diante da porta e a abandoná-lo como assim ele me fez há tempos e eu ainda não havia me dado conta. 
Visto-me. Destravo a fechadura e escapo como uma presa se desvencilha das garras insaciáveis que a fisga. Alegro-me com a adrenalina desse momento e cortejo em silêncio a mim mesma pelo feitio. 
De imediato venho a assustar-se pela firmeza dos meus atos. A repensar sobre o acontecido. A querer voltar no tempo e desfazer cada instante. A querer seu corpo alojando o meu, firmando-se a cada curva minha e trazendo a segurança que passo a sentir falta. E sinto muito. Sinto pelo meu abandono e por imagina-lo acordando e procurando-me por debaixo das cobertas. Por se dar conta que pela manhã ele não irá encontrar o meu corpo para saciar a si próprio. Por dessa vez não poder estar dentro de mim. Pela raiva que irá sentir. Por não esperar um retorno meu e sair desvairado alastrando seu charme a todas as mulheres que encontrar. Por escolher uma delas, toma-la para si e fazer sua refém. Sinto por notar pela primeira vez o seu desprezo e minha reverência a ele. 
Mesmo afogando-se em tudo aquilo que me faz lembra-lo, venho aos poucos desfazendo-o de mim. Desmorono e reconstruo-me a cada tentativa. A cada passo. Mas apenas assim sintetizo aos poucos os espasmos insalubres que ele havia instaurado aqui. 
E tento.

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